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As benzedeiras e a sabedoria popular: 7 documentários sobre essa tradição ancestral, cultural e social

benzedeiras e a sabedoria popular

A sabedoria popular centenária

As benzedeiras, benzedores, curandeiros, e a sabedoria popular das histórias, das rezas, das curas e das ervas medicinais. Pessoas muito humildes de coração, a raiz de um povo, que ajudam na saúde humana e social da sua comunidade local, trazendo seus conhecimentos, realizando partos, ajudando a cuidar e curar seu povo, atuando principalmente onde a medicina moderna não tem muito alcance hoje em dia.
Antes de continuar o texto, leia esta pequena crônica-ensaio:

– O menino está ruim, não consegue dormir, tem alguma coisa… Já levei no médico e ele deu remédio para a bronquite, medicou, tudo… Mas essa febre não passa – Disse a mãe depois de passar a noite em claro com o moleque no hospital pediátrico, naquele silêncio compressor da madrugada, na meia luz que piscava, das que ainda estavam acesas. De companhia somente o grande aquário colorido onde até os peixes pareciam estar dormindo, o cheiro de álcool no ar, gritos de bebês ecoando vindo dos corredores e sua criança apagada vencida pelo sono com a cabeça em seu colo.

– Ele tá é com quebranto, tem é que levar pra Dona Hermínia dá uma olhada – Disse a avó, inquestionavelmente católica e fervorosamente fiel às doutrinas adotadas. Aquilo era outra coisa, mas fazia parte.

– É… Vou aproveitar o caminho de volta para passar lá e ver se ela está.

– Que isso, vamos todos aqui – Disse o avô, cheio de preocupação com o neto, e também muito devoto da Santa Virgem católica.

Lembro ainda como se fosse ontem, chegávamos em uma rua sem saída, que dava em um grande balão de casas simples, em um tranquilo e semi afastado bairro de São Paulo. Ali, na casa de muros brancos e portão verde, meio enferrujado, era a casa da benzedeira, a famosa Dona Hermínia.

Toda vez que entrávamos, ela nos recebia na porta muito amigavelmente, seu sorriso era largo, seu abraço fraterno. Ficava feliz de receber crianças em casa. Sempre com um vestido até os pés, feito de chita (ou parecidos) com estampas de flores, sempre em tons azuis claros ou outras cores pastéis; na visão de uma criança era bem alta e gorda, pois tinha os braços roliços e uma cara meio redonda. Seus cabelos brancos levemente amarelados nas pontas, curtos e simetricamente penteados para trás. Andava balançando de um lado para outro, com lerdeza e calma. Sempre dizia que seus joelhos e pernas estavam matando-a.

Logo ao entrar pelo portão, junto com a visão da casinha simples, pequena e quadrada – que se encontrava no meio do terreno, engolida pela floresta, pela horta, canteiros e até um galinheiro – eu era invadido por cheiros diversos, raízes, terra, casca de árvores e ervas de tudo quanto é tipo. Ela mesma cheirava uma mistura de óleo com ervas. Hoje identifico alguns dos cheios, ela com certeza cheirava arruda, a metros de distância, e alecrim.

Dona Hermínia parecia saber de tudo da natureza. Para tudo ela dizia: “Ó minha fia – conversando com minha mãe – use essa planta que é danada de boa pro estômago”. “ó, essa aqui cura tudo os verme, pode fazer um chá e tomá 3 vezes por dia, não tem erro”. “Ah, mas essa aqui é boa pro fígado, limpa tudo”.  Falava como uma cientista, uma grande cientista da vida. Sabia cada sabor, cada fragrância, cada propriedade mágica e curativa. Eu adorava ouvir ela falar.

Ao chegar, lembro das alegrias, das recepções, abraços, atualizações dos causos de famílias e atualidades do tempo, mas logo o ar ficava sério e todos se concentravam na sala. Lembro de um ar parado naquele lugar, com uma luz entrando em raios suaves pelas janelas acortinadas, formando um ambiente quase que esfumaçado e com baixa luz, onde tudo ficava num tom vermelho madeira. Ela perguntava os problemas, o que havia nos levado ali. Minha mãe explicava, cada um explicava seu problema de acordo com a sua vez. Todos quietos por um instante. – “Para de mexer nisso, senta e fica quieto senão eu te quebro” – dizia a minha mãe para mim, pro meu irmão e para os meus primos enquanto esperávamos a benzedeira voltar da cozinha. Logo voltava ela, com algumas ervas e um copo de água.

O que acontece a partir daqui é com certeza um dos momentos mais marcantes para mim, das nossas visitas. Eu simplesmente adorava o que vinha a seguir. Ela sentava alguém numa cadeira no meio da sala, de madeira, e começava a rezar bem baixinho, em sussurros. Aquilo me estremecia, me amolecia, me deixava relaxado, uma energia em volta de mim inexplicável. E nem precisava ser comigo, era só eu estar ali.

Logo após iniciar a reza, todos quietos, alguns de olhos fechados, ela molhava seu polegar no óleo benzido e desenhava pequenos sinais (tipo a cruz) nos braços da pessoa, testa, e outras partes do corpo (dependendo da parte do corpo que a pessoa tinha problema, ela dava mais atenção naquele ponto). A seguir ela, rezando, começava a esfregar o nosso braço e partes do corpo com os dedos. Que dedos fortes, pois como doía! Ela ia “puxando” sentido as extremidades e meio que jogando para fora. Lembro daquele cheio e daquela viscosidade na minha pele, daquela dor, e daquele transe.

O processo parecia demorar uma eternidade, mas depois ficava bom de novo porque depois disso (lembro de as vezes sair coisas sólidas, como bolinhas pretas), sem parar a reza, ela “benzia” a gente com arruda e às vezes outras ervas; segurando um copo com água, ela molhava a arruda e passava no nosso corpo, ou chacoalhava a erva para espirrar gotas, dependia do caso. Era uma das melhores sensações. Depois ia jogando as ervas fora, no chão. Eu nem sei explicar a minha sensação, meu estado depois daquilo. Imagino que, como criança, eu era pleno sentir, não havia racionalização alguma daquilo. Era simples e puramente mágico, natural.

Às vezes aconteciam coisas estranhas com os adultos… Coisas que é difícil explicar e que a própria imaginação duvida, mas essas são outras histórias. Depois de todo esse “Auê”, ela se recompunha  e gentilmente nos convidava para um café da tarde com pão e bolachas! Enquanto os adultos conversavam, eu corria para explorar o jardim, explorar, para brincar com meus primos e irmão.

 

Bom, a partir daqui eu pergunto: quem nunca ouviu falar em benzedeiras? Com certeza a sua vó, mãe, parente, alguém conhecia ou sabia quem conhecia uma benzedeira porreta de boa, danada de pedra.

As benzedeiras, benzedores, curandeiros, curandeiras, erveiros e erveiras, são parte da nossa história, da nossa tradição popular. Aliás, em diversas culturas de muitas épocas podemos encontrar estas figuras. Aqui no Brasil essa cultura vem sendo resgatada, como podemos ver em documentários e projetos sociais, como das curandeiras de Florianópolis, pois o processo de urbanização está acabando com esse costume, e é necessário o resgate.

Como vocês podem perceber na crônica de introdução, um pouco dessa cultura do benzimento também faz parte da minha história. E hoje, depois que cresci e aprendi outras coisas, não só acho lindo esse ofício, como acho super importante o trabalho realizado por essas pessoas, não só para a cura, para o alívio espiritual, mas também para o social.

Todos nós sabemos, mesmo que a indústria química tente desacreditar alguns pontos, que as ervas tem poderes medicinais, e que por esses métodos naturais se pode curar e principalmente prevenir doenças e possíveis complicações comuns da vida cotidiana (principalmente moderna), como pedras nos rins, para citar um exemplo, evitando intervenções cirúrgicas.

Esse tema sempre serve como inspiração para mim, e eu pensava em escrever sobre isso, até que por força maior, encontrei este texto que me encantou, e acabei compilando uma pequena listinha de documentários interessantíssimos e lindos sobre esses personagens tão nossos e tão importantes.

Os benzedeiros tem origens datas desde o século XVI, com a chegada dos jesuítas. Você pode ler um pouco mais sobre curiosidades, origens e outras questões interessantes sobre esse ofício neste texto do Dário Catarinense, que é muito bacana, e fala inclusive sobre a benzedeira mais antiga da ilha, de 102 anos (na época da matéria). Veja o vídeo aqui:

Sente-se ou deite-se, acomode-se confortavelmente, de preferência em um dia que você esteja tranquilo ou possa se dedicar a ouvir e ver com calma. Esses vídeos são grandes formas de meditação.

Antes de mais nada, é preciso respeitar profundamente a cultura, a religião, as crenças e a espiritualidade de cada um. Entregue-se ao que você pode aprender e sentir e aproveite:

 

Benzedeiras – ofício tradicional

 

Um filme sobre mulheres, comunidade, saúde, afeto, fé, tradição, organização popular e sustentabilidade de Lia March, realizado por Olaria, projeto de arte e edicação.

 

As Benzedeiras de Minas

 

Ah, que coisa mais linda… As histórias, os causos, os olhares, os sorrisos, a humildade….

Este é um documentário de depoimentos que gira em torno de três reconhecidas benzedeiras católicas do Estado de Minas Gerais. Elas contam as suas histórias que revelam a tradição da medicina popular que está desaparecendo em meio ao processo de urbanização (texto baseado na descrição do vídeo).

 

Fé e Cura: a comunicação popular das benzedeiras

 

Documentário com depoimentos de algumas benzedeiras da região de Amazonas. Eu fiquei simplesmente encantado. Parabéns aos desenvolvedores (foi um trabalho de conclusão de curso de jornalismo da UFAM/Parintins).

 

Benzedeiras de Florianópolis falam sobre a cura através do bendizer

 

Eu já ouvi várias hitórias das “bruxas”, benzedeiras e curandeiras de Florianópolis e região, como eu disse logo acima. Lendas relacionadas a esse tema é que fizeram a história da Praia de Itaguaçu (achei um site legal que conta um pouco dessa essa história), por exemplo, onde conta-se que as pedras que estão por toda a praia foram bruxas que, por não convidar o diabo para a festa, foram petrificadas. Histórias, lendas e folclore a parte, esse lindo documentário conta um pouco desse ofício lindo dessas mulheres da ilha.

O Ramo – PARTE 1 (Rezadeiras de Boa Vista-PB)

 

Neste documentário em duas partes, eles trazem histórias, depoimentos e as palavras rezadeiras das benzedeiras Paraibanas, que como dizem, estão em franco desaparecimento pela falta de aprendizes interessados no ofício.

Dona Célia – Benzedeira

 

Entrevista com a benzedeira Dona célia, contando suas histórias, respondendo a perguntas e mostrando como ela faz o benzimento. O produtor deste vídeo, Francisco Lacaz Ruiz, em seu canal do youtube, percorre o brasil entrevistando benzedeiras e benzedores, curandeiros e erveiras de todas as regiões. Tem um conteúdo muito bom e bonito. Aqui eu coloco apenas este da Dona Celia, mas eu aconselho muito vocês viajarem pelo canal.

 

Benzedores do Porto de Santo Antônio

 

Um documentário sobre as práticas de benzição em Astolfo Dutra, antifa cidade de Santo Antônio, onde possui uma longa tradição no ofício de benzedeiras e benzedeiros. Neste vídeo, podemos ver aspectos culturais diversos, baseadas em ensinamentos cristãos e sincretismos com as culturas afro-brasileiras (texto adaptado da descrição original do vídeo).

 

Bem, meus caros, espero que vocês tenham conseguido imergir e sentir a beleza dessas pessoas, desses ofícios estejam tão encantados como eu. Estes vídeos documentários são apenas alguns. Existem entrevistas, pequenos vídeos, textos e muito conteúdo interessante na internet. Eu aconselho a viajar pelos vídeos relacionados que o youtube sugere na lateral destes vídeos, para quem quiser um pouco mais. Realmente são lições de vida, cultura, brasilidade, de humildade.

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