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Greve! Coisas que aprendi sobre humanidade e vida com Antônio Balduíno de Jorge Amado e muitos outros

Greve! Coisas que aprendi sobre humanidade e vida com Antônio Balduíno de Jorge Amado e muitos outros

GREVE!

O que a greve, a arte e a vida tem em comum? todos eles são parte da gente. Existem muitas coisas que podemos aprender com a arte e a vida. E quem melhor para nos fazer sentir do que pessoas que se dedicam às suas artes? Hoje é de greve no Brasil. Paralisação geral. Um dia importante para mim, para muitos brasileiros, dos dois lados, para o País.

Não venho trazer provocações, nem gritaria, muito menos frases rancorosas, inclusive daquelas tão desinformadas que rola um misto de vergonha alheia com dó. Muita gente já faz isso. Quero pensar e fazer pensar. Sentir e fazer sentir.

Para continuar lendo, aconselho que você dê o play nesta (maravilhosa) trilha sonora. Uma música do nosso Criolo, chamada “Fermento pra massa”. Recomendo que depois da leitura, ou durante, ou antes, não importa, você dedique uns minutos do seu tempo para prestar atenção na letra desta música, que assim como tantas outras músicas do criolo, falam com simplicidade de uma profundidade absurda do sentimento e da natureza humana. (por sinal, ele lançõu um CD agora a pouco que pode ser baixado no site dele e também tem no youtube).

 

Nossa cultura e nossa história está cheia de contos sobre os perrengues que passamos, e que costumeiramente, talvez pela falta de educação, informação, ou simplesmente por não querer saber de nada (“quero só é me dar bem, e o resto ó…”), acontecem com tanta frequência ainda nos nossos tempos atuais.

A questão é que se vê por aí (principalmente em redes sociais) muita gente babando aos montes, com discursos poderosos e fortes, com uma determinação e confiança absurda no que dizem.  Mas vendo alguns deles, também vejo que muitos falam apenas de SI e por SI mesmos. O famoso Self, o nosso amigo EGO. Sim, nada mais fazem do que dizer o que é melhor para eles. E ainda tem aqueles que nem sabem de nada, apenas compram o verbo dos outros (e caro!).

Eu poderia trazer gráficos, dados econômicos, citar leis, defender (ou atacar) partidos, e todas estas coisas, mas preferi comunicar pelo o sentir, a delicadeza de perceber as pequenezas da vida.

Então o que falta, você me pergunta? E eu respondo com minha limitada inteligência perceptiva: Acredito que o que falta é humanidade, compaixão e compreensão; se colocar nos problemas do outros, ao menos pensar minimamente no que levou o outro a pensar ou agir assim.

multidão-manifestação-greve

No nosso atual sistema, tudo parece ser para ontem, então eu não quero esperar, quero minha mudança, minha lei aprovada, quero meu carro novo hoje, agora, e o resto que se estrepe para conseguir o seu. Meritocracia, eu me esforcei, agora o outro que se vire. E se não conseguir, que morra logo. Vê? Essa é a diferença entre pessoas que querem manter (ou ganhar) privilégio e as pessoas que querem melhorias para todos, cada um com o seu, mas que tenha um sistema mais justo e igualitário, algo nivelado, não um ganhando 100 mil e outro sem ter o que comer nem onde morar.

Tudo é a longo prazo e as pessoas querem soluções imediatas, talvez um reflexo da nossa vida moderna. O Brasil é grande e maravilhoso, cheio de natureza, beleza e cultura. E isso não é balela.

E que raios a greve tem a ver com isso tudo? Ora, tudo! Nela está a tensão das duas partes, mas no geral, com valores totalmente diferentes. Por isso pensei em mostrar alguns trechos dessas percepções que estão em uma das histórias de Jorge Amado, Jubiabá, que narra a vida do nosso querido pseudo-anti-herói Antônio Balduíno, o Baldo.

Balduíno Jubiabá

Fonte: 3.bp.blogspot.com

Nesta narrativa, nosso personagem vive muitas aventuras, tragédias, dramas, sonhos e alegrias no desenrolar de sua trajetória de vida em São Salvador da Bahia de Todos os Santos dos anos 30, mais ou menos. Um menino negro, pobre e órfão, algo tão típico deste cenário, que cresce nas ruas como pode, aprendendo a sobreviver com as oportunidades que ele tem na mão; garoto esperto, sonhador de tudo, que se torna um homem valente e vivencia muita tristeza e pobreza na pele. Descobre na Greve a saída para o estado de “escravidão” de seu povo, e também o seu fundamento para se tornar um homem feito e olhar de igual para igual para o lendário e respeitado Pai de Santo Jubiabá.

Quando a greve estava começando, na história, Balduíno não entende direito o porquê dela, e vê alguns grupos que já estavam aderindo:

“Quando eles queriam, ninguém podia com eles. Aqueles homens magros que vieram da Espanha e viviam nos Estribos do bonde cobrando passagens, aqueles negros hercúleos que carregavam fardos no cais ou manejavam as máquinas nas oficinas de eletricidade eram fortes e decididos e tinham a vida da cidade nas mãos. No entanto passam rindo, malvestidos, os pés no chão muitas vezes, e ouvem insultos dos que se acham prejudicados com a greve. Mas eles riem porque agora sabem que são uma força. Antônio Balduíno também descobriu isto e foi como se nacesse de novo”.

Mas também tem gente contra:

“ O homem de sobretudo se levantou da mesa do bar e interpelou o operário:
– Por que esta greve?
– Pra melhorar o salário;;;
– Mas de que é que vocês precisam?
– De dinheiro…
– Querem ser ricos também?
O operário ficou meio atrapalhado. Na verdade ele nunca pensara em ser rico. Queria era mais dinheiro para que a mulher não reclamasse tanto, para poder pagar uma visita do médico (a filha estava doente), para comprar outra roupa, que aquela estava no fio.
Vocês querem muita coisa. Onde se viu operário precisar de tanta coisa?…
O operário estava confuso. Antônio Balduíno chegou para perto deles. O homem de sobretudo continuava a falar:
– Quer um conselho? Deixe essa besteira de greve. Isso são sujeitos que querem perturbar a ordem… Inventam coisas. Você vai acabar perdendo o emprego e esse dinheiro que ganha. Quer muito, acaba não tendo nenhum”.

 

As vezes tem pessoas desorientadas de ambos os lados (alguns, como já disse, por não querer saber, outros, por ignorância mesmo, ainda mais do lado pobre, onde muita gente não tem educação por que quer, mas porque não teve acesso), mas todos tem motivos nobres?

“ O que é que negro pode fazer? Negro não pode fazer nada, nem dançar pro santo [Baldo se referindo sobre a repressão da polícia que a mando dos “ricos”, entrou no terreiro do Pai de Santo Jubiabá e levou ele preso no meio da festa]. Pois vocês não sabem de nada. Negro pode tudo, negro pode fazer o que quiser. Negro faz greve, para tudo, para guindastes, para bonde, cadê luz? Só tem as estrelas. Negro é a luz, é os bondes. Negro e branco pobre, tudo é escravo. Meu povo, vamos pra greve que a greve é como um colar. Tudo junto é muito bonito. Cai uma conta, as outras caem também. Gente vamos pra greve, vamos brigar para não ter mais fome. Os outros já estão lá”.

Tem aqueles que não entendem ou não querem saber, só defender o seu, dos dois lados:

“Mariano entra em casa de cabeça baixa. Quando ele saiu a mulher ainda não sabia que a greve tinha sido declarada. E só à noite ele teve coragem de voltar para casa, de rever os olhos febris da mulher zangada, os olhos mortos da filha doente. Mal entra e a mulher grita:
– Você está metido nisso, Mariano?
– Em quê?
– Olha a criancinha querendo se fazer de inocente. Tou falando desta maldita greve… Você está metido nisso, não está?
– Maldita por quê, Guilhermina?… A gente quer ganhar mais, a gente quer ter um pouco mais de dinheiro. É remédio pra Lila que eu quero… Maldita, não vejo por quê…
– Quer dinheiro? Você quer é malandrear, não fazer nada, ficar bebendo na rua, chegar em casa de madrugada. Pensa que eu não conheço vocês? Pensa que você me engana? Fica por aí vadiando e depois vem com esse verso em cima de mim… Quer remédio pra Lila… Se você estivesse trabalhando direito, sem se meter nestas coisas, já era fiscal, já estava ganhando mais… Greve é coisa do demônio, Padre Silvino fala todo dia. Isso é coisa que o demônio mete na cabeça de doidos como você… Se você não andasse se metendo nestas coisas já estava fiscal.

Cada um do seu lado, defendendo os seus valores :

“ – Mas é preciso não dar nada. Se a gente der hoje esse aumento, amanhã, quererão outro, depois mais outro, e um dia quererão as padarias…
– Sei é que tem criança passando fome. E eles ganham mesmo uma miséria. Você nunca me falou que sabia destas coisas. E eu não sabia. Se soubesse…
– Se soubesse o que fazia? Você lá sabe de nada. Eu estou defendendo o seu automóvel, a sua casa, o colégio de Leninha. Você acha que eu devo trabalhar para esses canalhas?
– Mas eles querem tão pouco, Ruiz! Não é possível que você gosto de ver o sofrimento alheio.
– Eu não gosto de nada. Mas aqui não é questão de sentimentalismo. É coisa séria. Eu não sou eu, não tenho nada com meus sentimentos. Eu sou o patrão, tenho que defender meus interesses. Se a gente ceder o pé, amanhã eles quererão a mão… Você quer ficar sem automóvel, sem casa, sem criadas para Leninha? Eu estou defendendo isso tudo, estou defendendo o que é nosso, nosso dinheiro… Defendendo o seu conforto!

Obs: coloquei apenas trechos que escolhi e achei legal de mostrar, mas não tenho a ideia de “desviar” sentidos. Se você quer saber mais (inclusive tem personagens que mudam de opinião, e etc.,) leia o livro inteiro, Jubiabá.

Sentiram? Então. A diferença está principalmente nos valores… Tanto na história como no nosso mundo real. A greve não é boa para ninguém em um sentido imediato, mas é a conquista (ou a busca) a médio e longo prazo por melhorias de trabalho mais iguais e justa para todos os lados. Essa ideia parece bastante utópica, considerando a situação, mas é algo que todos devemos pensar sobre, para que de alguma forma, melhore a vida de alguém, mesmo que esse alguém não seja nosso vizinho, nosso amigo ou da nossa família. Temos que tentar pensar fora da nossa bolha.

Se vivemos em sociedade, temos que pensar em sociedade, mesmo que seja tão difícil para alguns acharem que um dia esse cenário pode mudar. Se ninguém fizer nada e se desistirem de tudo (“ah, melhor deixar do jeito que tá, pelo menos que vou conseguir o meu”), nada nunca mudará. A ideia não é  não é um tomar o que é do outro nem o outro não dar nada para esse primeiro, mas que todos possamos ter o mínimo das condições básicas de vida. Meu, é só pensar um pouco e ver como o Brasil está dividido, não só politicamente, mas socialmente… E cabe a nós começarmos a ver o outro e entender seus motivos, e claro, repensar os nossos valores.

Ah, aí você pensa enquanto lê o texto: mas Jorge Amado era comunista, e bibibi e mimimi…. Isso não importa aqui. O que importa é que ele era um ser humano com extrema sensibilidade e capacidade de perceber essas pequenezas da vida, essas sensações inauditas que é difícil descrever, ninguém sabe dizer, mas todo mundo sente no ar. Assim como Caymmi, Caribé, Bethânia, Portinari, Chico, Criolo (pra citar só brasileiros) e tantos outros que transmitem suas mensagens, ideias, sensações através da sua arte, de coisas sutis e sublimes. E para isso, meu amigo, é preciso ser mais do que carne e osso, é preciso ser sensível, ser aberto, ser humano.

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Então talvez uma das coisas mais importantes que eu tenha aprendido disso tudo é: perceba o lado humano, não o seu, mas de todos. E sabe porque isso parece estranho? Porque parece algo muito simples, mas é difícil. É muito mais fácil você defender o que é seu, fazer o que você quer e simplesmente não pensar o que acontece com o outro, qual o problema dele, inclusive coisas absurdamente bestas, mas que não deixam de fazer a diferença: você sabe para onde vai o lixo que você joga ou a comida e a roupa que chegam até você? Pois é. É como eu sempre digo para mim mesmo: antes de qualquer mudança, eu preciso é ter consciência. Só aí podemos mudar. E eu também sigo nessa. Sou tão hipócrita quanto qualquer outra criatura.

 

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